quinta-feira, 9 de abril de 2009

História de uma Primavera


Texto: Fernando Magalhães
Fotos: Eduardo Campolina

Este bonsai de Primavera (Bouganvillea glabra), nativa das regiões de mata atlântica no Brasil, constitui uma parte interessante da história do meu aprendizado nessa maravilhosa “Arte”. Essa planta é, sem dúvida, o símbolo da realização do meu trabalho como bonsaista.

Diariamente convivemos com o ir e vir das plantas, novos trabalhos concluídos, e aquele momento de prazer ao fim de um novo trabalho. Nesses momentos eu sempre olhava para ela em seu cantinho no viveiro, às vezes meio esquecida, mas sempre lembrada com carinho, principalmente pelo tempo que ela vem me acompanhando e pela experiência que acumulei com os erros e acertos em seu treinamento.

Apesar de não possuir um bom material histórico fotográfico, talvez até por não acreditar no potencial oculto na muda bruta e também pela minha inexperiência na época, tentarei, com alguns desenhos e fotos, colocar toda a evolução desse trabalho.

A muda
Meu primeiro contato com a técnica bonsai ocorreu no inverno de 1993, em uma matéria de ¼ de pagina na revista “Super Interessante”, quando despertei para essa arte não qual me considero hoje viciado. Dessa época em diante foi uma febre, pois só conseguia ficar satisfeito comprando ou arrancando alguma mudinha de algum lugar para poder enfiar as mãos e curtir a possibilidade de transformá-las. Foi nessa época que conheci uma grande floricultura da região metropolitana de Belo Horizonte.

Fiquei fascinado com a diversidade de espécies e qualidade do material. Senti-me como uma criança solta pela primeira vez em um parque de diversões. Bem, foi uma loucura, comprei várias mudas, corri daqui pra lá, desnorteado, até que avistei uma muda de Buganvillea, com cerca de 1,80 m de altura, em um grande tambor de ferro, encostada em um canto da floricultura, quase morta, escondida, já praticamente não sendo mais cuidada. Mesmo assim ela me encantou, pela forma e diâmetro de tronco, bem diferente daquelas mudinhas com pouco mais de 2 a 3 cm em que trabalhava até aquele momento.


Encantado, vislumbrei a possibilidade de trabalhar aquela muda, com mais ou menos 13 cm de base, boa forma e com potencial de se tornar um bonsai como aqueles que eu tanto apreciava através da internet, tão longe, do outro lado do mundo.

Mesmo sendo o preço completamente fora da minha realidade eu precisava ficar com aquela planta. Assim, depois de discutir sobre o estado de saúde e a qualidade do cultivo da Bouganvillea, acabei conseguindo um preço que, embora ainda elevado para o meu orçamento da época, pois ainda vivia à custa de mesada dada pelo meu pai para manter meus estudos, eu conseguia pagar apesar de representar praticamente um mês inteiro de economias.

Fui para casa feliz da vida como se fosse um campeão com seu troféu.

Início do trabalho
Minha ansiedade era tamanha que, ao chegar em casa, fui logo querendo trabalhar a planta. Naquele momento deparei com um mundo de dúvidas e, principalmente, com falta de coragem. Não tinha nenhuma certeza de onde e como cortar, se a época do ano era adequada, ou seja, tomei consciência de minha inexperiência. Assim, acabei encostando a minha Bouganvillea em um cantinho de casa e passei os dois anos seguintes olhando-a e estudando, enquanto praticava e aprendia um pouco mais com os livros, sites e experiências próprias.


Primavera de 1995 – depois de muito tempo estudando e pesando, em uma tarde de um belo dia de primavera, tomei coragem, peguei um serrote e caminhei em direção a Bouganvillea, naquele momento já apelidada carinhosamente de “Buga”. De uma única vez, sem muitas dúvidas, cortei os dois galhos principais da planta e fiz podas das ramas finas que se desenvolveram no período em que ela ficou em recuperação.

Depois de todas as podas, resolvi aproveitar a época e transplantar para um substrato com melhor drenagem e, principalmente, para um vaso menor e mais fácil de transportar.
Até o outono de 1996 a Buga ficou descansando e crescendo livremente para fortalecer o nebari e o sistema radicular, que estavam muito comprometidos devido aos poucos cuidados na floricultura.

Naquele outono ela estava novamente enorme, com galhos crescidos para todos os lados que dava até gosto ver. Foi então realizada poda drástica para dar inicio ao trabalho de aramagem e modelagem do bonsai.

Foi quando tomei consciência de um problema para o qual tinha de buscar soluções: duas grandes cicatrizes. Comparadas com outras espécies, as bouganvilleas têm grande dificuldade de cicatrizarem, ou seja, para fechar uma cicatriz grande é necessário que a planta cresça muito e engrosse bastante o tronco. Em função disso, tomei a difícil decisão de trabalhar um uro, técnica a muito apreciada e bastante aplicada de forma a esconder marcas de podas.

O Uro
Depois de optar pela técnica, comecei a estudar e pesquisar quando seria a melhor época para começar a “ocar” o tronco. Muitos desenhos e horas olhando para planta transcorrem-se nos meses seguintes. No fim do inverno do mesmo ano (1996), período em que as plantas se encontram em dormência e com um fluxo muito baixo de seiva circulando, realizei o trabalho. Dessa forma corri menos risco de perda de seiva e morte de determinadas regiões, o que não era interessante para o trabalho final.

A opção pelo uro propriamente dito foi muito questionada, tanto por mim mesmo quanto por outros amigos e bonsaistas, uma vez que havia muitas dúvidas com relação à qualidade da madeira da Bouganvillea relacionada ao tempo e apodrecimento. Iniciei pesquisas sobre a planta, tanto na literatura como através da observação de algumas bouganvilleas nativas. Meu objetivo era avaliar o desenvolvimento desse tipo de planta na natureza, ou seja, verificar como se comportava sua madeira perante as intempéries do nosso clima. Ressalta-se que as madeiras de Pinus e Juniperus são também frágeis e de fácil apodrecimento que se preservam muito bem nos climas temperados e árticos do hemisfério norte. Ao contrário do nosso clima tropical úmido e quente que favorece o desenvolvimento de microorganismos durante todo o ano.

Com minha pesquisa e trabalho descobri em parques na minha cidade muitas Bouganvilleas centenárias residuais de mata atlântica, muitas delas adornadas de grandes uros, algumas completamente ocas, chegando a ter mais de 8 metros de altura, com tronco muito bem desenvolvido, sendo necessários pelo menos quatro pessoas para poder abraçá-las.

Como resultado de minhas pesquisas optei por realmente fazer o uro para esconder as cicatrizes, acreditando que o tratamento eficaz da madeira, a manutenção do tronco limpo e o cuidado de evitar molhar desnecessariamente durante as regas, seriam suficientes para mantê-la estável e com o aspecto desejado da idade.

O trabalho foi praticamente todo feito com o auxílio de formões e algumas ferramentas improvisadas na época.

Foram dois dias de trabalho árduo. Entretanto, à medida que ia esculpindo a madeira o uro tão esperado surgia, aumentando o ânimo para continuar o trabalho.

Trabalho finalizado, verifiquei que devido a minha pouca experiência naquela técnica e também à empolgação de iniciante, havia entrado muito com o uro em um dos lados, logo abaixo de um galho que quase perdi (seta vermelha).

Esse galho, mesmo ficando fraco por muitos anos depois, só foi recuperado graças à capacidade que as bouganvilleas têm de desviar os canais de seiva e se recompor.

Embora esse não tenha sido o objetivo, mesmo sem saber, aquele erro criou umas das características mais belas do uro, ou seja, um movimento no tronco de forma dar a impressão de ser a entrada para uma caverna.

A madeira foi tratada muitas vezes durante os primeiros dois anos com lime-sulfur (pirosulfato de cálcio), de forma a garantir sua imunidade. Posteriormente esse tratamento foi mantido periodicamente, a cada quatro ou seis meses.

Construção dos galhos
Durante todo esse tempo trabalhei os galhos de forma a criar uma ramificação vigorosa e frondosa.

Desfolhas foram feitas em meados da primavera e na entrada do outono propiciando, em seguida, um florescimento abundante.

De tempos em tempos foi necessário fazer uma poda geral de reestruturação e uma limpeza das brotações, que foram se acumulando e fazendo com que os galhos perdessem o vigor de crescimento.


Verão de 2000

A aramagem foi sempre feita no fim do inverno, período em que a planta esta saindo da dormência, os galhos sem folhas e mais flexíveis.


Primavera de 2003

Foi dada preferência para aramar os brotos novos sempre antes das regas, para evitar um enrijecimento maior pela hidratação e maior fluxo de líquidos nos canais de nutrição.



Agraciada com o prêmio "International Winner"
no World Bonsai Contest de 2005


Futuro
Considerando o bom desenvolvimento dos galhos e vigor da planta e que no projeto original não existia o primeiro galho que vemos nas fotos, deixado com o objetivo de ajudar a manter o veio na parte em que o uro entrou muito no tronco, evitando assim enfraquecer aquele lado da planta, verificamos que estamos nos aproximando de um novo ponto do trabalho para redefinição e remodelagem da copa.

Entretanto, mesmo conhecendo o projeto original e vendo a possibilidade de valorizar o Bonsai, colocando em evidência o uro juntamente com uma copa mais densa e desenvolvida, aumentando um pouco o seu tamanho, a decisão de modificá-la se tornou muito difícil. Afinal, foram quinze anos trabalhando e aprendendo muito com essa planta, o que torna esse galho parte marcante dela.


Vista de trás


Lado Direito

A pergunta que não quer calar: nesse momento é assim tão importante perseguir o projeto original?



Essa é a história de uma bela Bouganvillea que estava praticamente morta em um viveiro de mudas e se tornou uma grande realidade graças ao meu trabalho com todo o meu amor por ela. A história dessa plantinha se confunde com a minha história na busca do conhecimento e prática na arte bonsai.

Esse é um trabalho que requer tempo e aprendizado, desenvolvimento e aperfeiçoamento. O caminho do bonsai é árduo e longo, muito chão têm que ser percorrido, e não há forma melhor do que acompanhado de grandes amigos. Somente dessa forma essa árvore terá melhores garantias de seu futuro e evolução, sempre buscando mudanças favoráveis ao seu desenvolvimento.


Imagem virtual mostrando o aspecto final
após as modificações propostas




Reportagem extraída da revista eletrônica A Arte Bonsai
(http://www.artebonsai.com.br)

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